Em 1971, corria a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Nesse mesmo ano, a data de 20 de novembro foi utilizada, pela primeira vez, para simbolizar a luta da comunidade negra brasileira por mais espaço e respeito, no sentido pleno da palavra.
Esse dia, escolhido a dedo, é uma homenagem a Zumbi — o líder mais importante do famoso Quilombo dos Palmares —, que morreu em 20 de novembro de 1695. Encravado nos sertões de Alagoas em pleno século XVII, o quilombo enfrentou, durante aproximadamente 100 anos, a ira e a violência de portugueses proprietários de terras e de bandeirantes contratados para exterminar os arraiais de Palmares.
Abrir espaço em uma sociedade que ainda se vê como branca e européia, apesar da enorme miscigenação, é uma batalha que negros e índios, em especial, ainda têm de travar todos os dias, todas as horas. Nesse sentido, as homenagens a Zumbi são muito importantes e, ao serem somadas a atitudes concretas como a promulgação da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, poderão fazer aflorar reflexões no mínimo interessantes na sociedade brasileira.
Resistência escrava: quilombos, o que são e como surgiram
A luta contra a escravidão está presente na História brasileira desde o início da colonização portuguesa. Em 1575, já havia registros escritos que designavam de mocambos os refúgios de escravos que fugiam da violência de seus senhores ou que participavam de levantes coletivos urbanos ou rurais em busca de uma maneira alternativa de vida e de sobrevivência.
Segundo o historiador Flávio Gomes, “as palavras quilombos e mocambos para a maioria das línguas bantu da África Central e Centro-Ocidental significam acampamento. Nos séculos XVII e XVIII, kilombo era a denominação de um ritual de iniciação de uma sociedade militar dos povos imbangalas do nordeste de Angola (denominados também de jagas). Estes povos, falantes do kimbundu, realizaram uma expansão militar para o interior, alcançando os territórios de povos umbundu, e incorporaram os povos conquistados por meio de um ritual, denominado kilombo”. Portanto, a palavra quilombo tem diferentes conotações e possivelmente passou por várias transformações até assumir o significado atual.
De maneira geral, o termo quilombo, nas escolas, nos livros didáticos e no conhecimento popular, designou, por muitos anos, até a década de 80 do século XX pelo menos, um conjunto de cativos que fugiam da escravidão imposta pelos luso-brasileiros, formando uma vila de camponeses negros e mestiços. Mas essa idéia é apenas uma concepção historiográfica, ou seja, elaborada por historiadores, e, nos últimos vinte anos, tem sido muito questionada pelas novas pesquisas realizadas por historiadores, arqueólogos e antropólogos. Essas pesquisas têm indicado que os quilombos se constituíam em unidades produtoras dos mais diferentes artigos, tais como farinha de mandioca, mel, lenha, drogas do sertão e produtos oriundos da criação bovina (GOMES, 2006, p. 123-124).
Com toda essa variedade de produtos, os quilombolas, ao contrário do que se imaginou até a década de 80, não constituíam comunidades isoladas do resto do mundo, mas, sim, procuravam não estar distantes de vilas e estradas para que pudessem, assim, trocar mercadorias e negociar a produção excedente com comerciantes, lavradores e até mesmo escravos que ainda viviam nas senzalas, chamados de assenzalados.
Palmares: do massacre à bandeira de luta
O Quilombo dos Palmares localizava-se na região que hoje é o atual estado de Alagoas — mais especificamente na Serra da Barriga — e que, à época, no Período Colonial, compunha a província de Pernambuco. Nessa região, organizaram-se dezenas de mocambos e quilombos, que reuniam, em alguns casos, dezenas e, em outros, centenas ou milhares de escravos, mestiços, índios e até brancos pobres e marginalizados, como desertores das Forças Armadas.
Os primeiros registros escritos sobre a presença de quilombos no Brasil datam de 1597. O Quilombo dos Palmares, o maior de que se tem notícia no País, chegou a abrigar cerca de 20 a 30 mil pessoas e conseguiu manter relações comerciais e políticas com taberneiros, comerciantes e escravos assenzalados. Muito provavelmente, essas relações políticas e comerciais foram as principais responsáveis pela longa duração desse quilombo que desafiou as autoridades portuguesas por um século. Além da relação de cumplicidade entre os palmarinos (moradores de Palmares) e seus circunvizinhos, outro fator que contribuiu para essa longevidade foi o terreno extremamente acidentado da Serra da Barriga, que dificultava a ação das tropas portuguesas e dos bandeirantes paulistas contratados para destruir os quilombos.
A destruição de Palmares
Palmares era dividido em diferentes mocambos, que recebiam, em geral, o nome de seus líderes ou comandantes. O mais importante deles era chamado de Macaco e tinha entre seus líderes Ganga Zumba e Zumbi.
Apesar de manter boas relações com seus vizinhos, as forças quilombolas muitas vezes atacavam fazendas ou casas comerciais que mantivessem escravos ou fossem contrários à permanência de quilombos na região. Esses foram os principais fatores que ocasionaram a repressão portuguesa a essas comunidades. Além disso, o número cada vez maior de escravos fugidos inibia a expansão portuguesa para o interior.
A partir de 1680, a idéia de acabar com os quilombos recrudesceu. O bandeirante Domingos Jorge Velho foi contratado com a incumbência de destruir Palmares e outros quilombos próximos. Essa missão durou alguns anos, até que, em 1695, mais exatamente em 20 novembro, Zumbi, cuja liderança e luta pela preservação dos quilombos da Serra da Barriga eram conhecidas em toda a província de Pernambuco, foi encontrado e assassinado.
É importante destacar que o assassinato de Zumbi e a destruição de Macaco, assim como de outros quilombos e mocambos, não provocaram o fim das fugas dos escravos e da resistência negra no Brasil durante os séculos XVII e XVIII. As fugas ocorriam em tal quantidade que obrigaram à fixação definitiva de bandeirantes na região da Serra da Barriga, com o objetivo de evitar o surgimento de novos redutos de fugitivos, que, a todo momento, surgiam nas matas e florestas do Nordeste.
Essa verdadeira saga dos palmarinos e de Zumbi pelas matas nordestinas, relatada em verso e prosa ao longo do tempo, chegou ao século XX transformada em um verdadeiro símbolo da resistência dos africanos e de seus descendentes no Brasil. Hoje, em pleno século XXI, Palmares e Zumbi representam um marco na luta contra a repressão não apenas para a comunidade negra, mas também para todos aqueles — de qualquer etnia, cor ou religião — que, ao longo da História brasileira, tiveram sua cidadania roubada, sua voz calada, sua vida retirada pelo poder político ou econômico.
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